Sempre se buscou ou acreditou em vida inteligente fora deste pálido ponto azul, desde antigos povos que acreditavam serem filhos de deuses que desceram das estrelas à ciência moderna que enviou mensagens e expedições especialmente organizadas à fim de encontrar uma pista de que não estamos sozinhos no universo. Mas, em sua desesperada busca por vida fora de sua casa, o homem se esqueceu de olhar debaixo do seu tapete, e nunca imaginou que tal vida poderia vir de dentro de seu próprio planeta. O monstro não está lá fora, batendo em sua porta, mas sim embaixo de sua cama. Dentro do seu quarto.
Uma fenda interdimendional surge no meio do oceano Pacifico, dando passagem à seres colossais que passam a atacar e devastar tudo aquilo por onde passam. Após o primeiro ataque, em São Francisco, acontece outro, e mais outro... As armas às quais nós podemos recorrer não são suficientemente efetivas frente a tal ameaça e a única solução é um esforço coletivo das principais nações banhadas pelo Pacífico com o propósito de construir algo que faça frente aos monstros gigantes que surgem na costa. O resultado é o projeto Jaeger, que desenvolveu nada menos do que robôs gigantes para enfrentar os monstruosos kaiju!
Esta é a idéia básica que dá a forma inicial à Circulo de Fogo (Pacific Rim), fita que chega aos cinemas em Agosto deste ano, numa clara homenagem aos filmes de monstros gigantes e seus fãs. E quem melhor para conduzir este robô-gigante do que Guillermo del Toro, que cresceu cercado de filmes de monstros e dos famosos tokusatu?
Para quem não sabe, tokusatsu (efeitos especiais, em japonês) nada mais é do que aquele estilo de seriado nipônico tão conhecido onde um monstro ataca a cidade, que é defendida por algum herói, como os clássicos Jaspion, Ultraman, Changeman ou mesmo Power Rangers. O México, assim como o Brasil foi bombardeado por esse tipo de programação nos anos 70-80, e o pequeno del Toro cresceu com isso, assim - de novo - como muitos de nós aqui! O resultado é um filme de fã para fã, tendo o diretor declarado abertamente seu amor ao estilo e suas influências, que vão desde Godzilla à Evangellion, fazendo o filme que ele gostaria de ter visto quando pequeno e tendo inclusive dedicado seu filme ao diretor do Godzilla original, Ishiro Honda.
É um pouco complicado falar sobre o filme sem soltar alguma informação que pode estragar o seu barato - o famigerado e temido spoiler! Basta dizer que todo este background já é estabelecido nos primeiros minutos do filme de uma forma simples e magistral que nos põe à parte dos acontecimentos sem ter que ficar repetindo os mesmos conceitos ao longo do filme, e que pegamos o bonde num ponto em que a humanidade esta ganhando; os jaegers são eficientes e seus pilotos heróis de guerra que protegem nossa costa há anos. A humanidade respira um pouco mais aliviada e os kaiju não parecem mais tão assustadores. Mas isso está prestes a mudar...
Guillermo del Toro. |
Del Toro é famoso por preferir efeitos práticos tradicionais ao moderno CGI, tendo trabalhado sempre que pode com bonecos e maquiagem, e sempre se preocupando com o departamento de arte de seus filmes. Tal característica não se mostra diferente em Círculo de Fogo, claro que guardadas as devidas proporções: um filme desse porte seria muito mais complexo e caro se filmado com técnicas convencionais, mas o cuidado com a arte conceitual ainda se faz muito presente, criando detalhes desde anatomia e biologia das criaturas à funcionalidade dos jaegers. Pequenos detalhes podem ser notados aos olhos mais atentos, como a movimentação e adaptação dos kaiju aos ambientes em que estão inseridos ou as inspirações e características dos robôs construídos com base maquinário militar existente. O departamento de arte e todos os profissionais envolvidos merecem uma atenção à parte no filme. Você acredita naquilo que está vendo. Todos os personagens gigantes, sejam robôs ou os monstros, são perfeitamente críveis, com texturas e movimentos próprios, parecendo vivos na tela. As cenas de luta muitas vezes parecem filmagens de helicópteros que vemos na TV, conferindo uma realidade extra ao filme. Isso somado à pequenos detalhes do roteiro como o posicionamento socio-político frente a tal ameaça ou o mercado negro de partes de kaiju e todos os conceitos relativos à tecnologia jaeger que conecta a mente dos dois pilotos nos dá uma imersão muito maior do que o 3D poderia proporcionar. São vários conceitos que, mesmo não sendo muito aprofundados, pois a idéia era focar nesta briga de bem contra o mal, que servem como porta de entrada para um mundo bem construído e com grande potencial de ser aproveitado na seqüência. Além de que o material extra disponível na internet é muito vasto.
Jaegers no Pacífico. |
A trilha sonora se faz presente através de temas principais que funcionam para pontuar grandes feitos realizados em tela, e possui uma melodia simples de decorar que te faz sair do cinema cantarolando as notas de Ramin Djawadi (Homem de Ferro, Guerra dos Tronos), contando com um ar de rock n’ roll que casa perfeitamente com o que está sendo mostrado, passando algo como “tenho um robô-gigante, vai encarar?”.
Esses detalhes, frutos da paixão de del Toro pelo que está realizando, tornam Círculo de Fogo um filme divertidíssimo e bem construído, ainda mais se você assistia a algum tokusatsu quando pequeno! Tenho visto muita gente com receio de assistir à fita por pensar que pode ser um novo Transformers, mas a semelhança termina no fato de ambos terem robôs-gigantes em tela. Aqui, eles foram construídos e comandados por nós, são enormes e pesados, e até mesmo um pouco lentos, como coisas muito grandes são no geral (Shadow of the Colossus, alguém?), podendo-se perceber exatamente o que está acontecendo em tela, e não aquela confusão de barulhos e câmeras girando...
As lutas entre os gigantes são espetaculares, grandiosas, além de bem dirigidas e conduzidas. Você sente o peso de cada impacto, de cada queda... Mas muita gente tem ido esperando encontrar somente “robôs gigantes dando porrada em monstros gigantes”, sendo que este era um comentário comum pela internet antes do lançamento do filme. Claro que somente porrada não sustenta um filme, (mesmo os filmes de brucutus dos anos 80 contam com histórias, ainda que sejam somente desculpa para a porrada nesse caso, né?) e as relações interpessoais são abordadas à fim de aproximar os personagens do expectador, mas nada que se torne maçante ou melodramático demais. A história é interessante e o mundo é bem sustentado pelos conceitos adotados, e eu me peguei temendo pelos personagens logo nos primeiros minutos.
Muita gente tem resmungado por aí e torcido o nariz por dizer que o filme se trata de um plágio de Evangellion. Eu nunca assisti este anime, portanto não posso dizer nada, mas acho que as pessoas resmungam demais e andam muito mal-humoradas em relação a cinema. – talvez eu ainda faça um post sobre isso aqui –, mas se você gosta de Evangellion, e alguém faz um filme com referências ao mangá (sendo que esse alguém, o diretor, admite isso com um sorriso apaixonado no rosto), fique feliz, pois se este filme não abrir caminho para uma adaptação do mangá, talvez seja o mais próximo que você chegue de ver algo assim na telona. Talvez seja a mesma coisa que comparar Battle Royale a Jogos Vorazes ou Avatar a Pocahontas, mas, como eu sempre digo, O Rei Leão nada mais é do que Hamlet com animais, e ninguém reclama disso! O que importa não é a história que você conta, pois com certeza alguém já fez algo parecido, mas sim como você conta. Criar algo puramente do nada hoje em dia é praticamente impossível, e Joseph Campbell está aí pra provar isso!
Circulo de Fogo é uma ótima pedida para um cinema pipoca de fim-de-semana, sendo, de longe, o maior blockbuster de Guillermo del Toro até o momento. Como comentário pessoal gostaria de acrescentar que desde O Hobbit – Uma jornada inesperada não saio tão empolgado de um filme; fazia tempo que eu não me divertia tanto. Já fui assistir duas vezes, a trilha sonora virou toque do meu celular e estou atualmente vasculhando o E-bay atrás de action-figures do filme, e que a cena do primeiro ataque de kaiju e toda a sequência de introdução são sensacionais!
Guarde os eventuais preconceitos na gaveta e vá assistir.
Afinal, quando foi que você viu algo assim no cinema antes?