terça-feira, 27 de agosto de 2013

No Projetor - Círculo de Fogo

       
        Sempre se buscou ou acreditou em vida inteligente fora deste pálido ponto azul, desde antigos povos que acreditavam serem filhos de deuses que desceram das estrelas à ciência moderna que enviou mensagens e expedições especialmente organizadas à fim de encontrar uma pista de que não estamos sozinhos no universo. Mas, em sua desesperada busca por vida fora de sua casa, o homem se esqueceu de olhar debaixo do seu tapete, e nunca imaginou que tal vida poderia vir de dentro de seu próprio planeta. O monstro não está lá fora, batendo em sua porta, mas sim embaixo de sua cama. Dentro do seu quarto.
Uma fenda interdimendional surge no meio do oceano Pacifico, dando passagem à seres colossais que passam a atacar e devastar tudo aquilo por onde passam. Após o primeiro ataque, em São Francisco, acontece outro, e mais outro... As armas às quais nós podemos recorrer não são suficientemente efetivas frente a tal ameaça e a única solução é um esforço coletivo das principais nações banhadas pelo Pacífico com o propósito de construir algo que faça frente aos monstros gigantes que surgem na costa. O resultado é o projeto Jaeger, que desenvolveu nada menos do que robôs gigantes para enfrentar os monstruosos kaiju!
Esta é a idéia básica que dá a forma inicial à Circulo de Fogo (Pacific Rim), fita que chega aos cinemas em Agosto deste ano, numa clara homenagem aos filmes de monstros gigantes e seus fãs. E quem melhor para conduzir este robô-gigante do que Guillermo del Toro, que cresceu cercado de filmes de monstros e dos famosos tokusatu
Para quem não sabe, tokusatsu (efeitos especiais, em japonês) nada mais é do que aquele estilo de seriado nipônico tão conhecido onde um monstro ataca a cidade, que é defendida por algum herói, como os clássicos Jaspion, Ultraman, Changeman ou mesmo Power Rangers. O México, assim como o Brasil foi bombardeado por esse tipo de programação nos anos 70-80, e o pequeno del Toro cresceu com isso, assim - de novo - como muitos de nós aqui! O resultado é um filme de fã para fã, tendo o diretor declarado abertamente seu amor ao estilo e suas influências, que vão desde Godzilla à Evangellion, fazendo o filme que ele gostaria de ter visto quando pequeno e tendo inclusive dedicado seu filme ao diretor do Godzilla original, Ishiro Honda.
É um pouco complicado falar sobre o filme sem soltar alguma informação que pode estragar o seu barato - o famigerado e temido spoiler! Basta dizer que todo este background já é estabelecido nos primeiros minutos do filme de uma forma simples e magistral que nos põe à parte dos acontecimentos sem ter que ficar repetindo os mesmos conceitos ao longo do filme, e que pegamos o bonde num ponto em que a humanidade esta ganhando; os jaegers são eficientes e seus pilotos heróis de guerra que protegem nossa costa há anos. A humanidade respira um pouco mais aliviada e os kaiju não parecem mais tão assustadores. Mas isso está prestes a mudar... 
Guillermo del Toro.
Del Toro é famoso por preferir efeitos práticos tradicionais ao moderno CGI, tendo trabalhado sempre que pode com bonecos e maquiagem, e sempre se preocupando com o departamento de arte de seus filmes. Tal característica não se mostra diferente em Círculo de Fogo, claro que guardadas as devidas proporções: um filme desse porte seria muito mais complexo e caro se filmado com técnicas convencionais, mas o cuidado com a arte conceitual ainda se faz muito presente, criando detalhes desde anatomia e biologia das criaturas à funcionalidade dos jaegers. Pequenos detalhes podem ser notados aos olhos mais atentos, como a movimentação e adaptação dos kaiju aos ambientes em que estão inseridos ou as inspirações e características dos robôs construídos com base maquinário militar existente. O departamento de arte e todos os profissionais envolvidos merecem uma atenção à parte no filme. Você acredita naquilo que está vendo. Todos os personagens gigantes, sejam robôs ou os monstros, são perfeitamente críveis, com texturas e movimentos próprios, parecendo vivos na tela. As cenas de luta muitas vezes parecem filmagens de helicópteros que vemos na TV, conferindo uma realidade extra ao filme. Isso somado à pequenos detalhes do roteiro como o posicionamento socio-político frente a tal ameaça ou o mercado negro de partes de kaiju e todos os conceitos relativos à tecnologia jaeger que conecta a mente dos dois pilotos nos dá uma imersão muito maior do que o 3D poderia proporcionar. São vários conceitos que, mesmo não sendo muito aprofundados, pois a idéia era focar nesta briga de bem contra o mal, que servem como porta de entrada para um mundo bem construído e com grande potencial de ser aproveitado na seqüência. Além de que o material extra disponível na internet é muito vasto.

Jaegers no Pacífico.

A trilha sonora se faz presente através de temas principais que funcionam para pontuar grandes feitos realizados em tela, e possui uma melodia simples de decorar que te faz sair do cinema cantarolando as notas de Ramin Djawadi (Homem de Ferro, Guerra dos Tronos), contando com um ar de rock n’ roll que casa perfeitamente com o que está sendo mostrado, passando algo como “tenho um robô-gigante, vai encarar?”.


Esses detalhes, frutos da paixão de del Toro pelo que está realizando, tornam Círculo de Fogo um filme divertidíssimo e bem construído, ainda mais se você assistia a algum tokusatsu quando pequeno! Tenho visto muita gente com receio de assistir à fita por pensar que pode ser um novo Transformers, mas a semelhança termina no fato de ambos terem robôs-gigantes em tela. Aqui, eles foram construídos e comandados por nós, são enormes e pesados, e até mesmo um pouco lentos, como coisas muito grandes são no geral (Shadow of the Colossus, alguém?), podendo-se perceber exatamente o que está acontecendo em tela, e não aquela confusão de barulhos e câmeras girando...
  As lutas entre os gigantes são espetaculares, grandiosas, além de bem dirigidas e conduzidas. Você sente o peso de cada impacto, de cada queda...  Mas muita gente tem ido esperando encontrar somente “robôs gigantes dando porrada em monstros gigantes”, sendo que este era um comentário comum pela internet antes do lançamento do filme. Claro que somente porrada não sustenta um filme, (mesmo os filmes de brucutus dos anos 80 contam com histórias, ainda que sejam somente desculpa para a porrada nesse caso, né?) e as relações interpessoais são abordadas à fim de aproximar os personagens do expectador, mas nada que se torne maçante ou melodramático demais. A história é interessante e o mundo é bem sustentado pelos conceitos adotados, e eu me peguei temendo pelos personagens logo nos primeiros minutos.


        Muita gente tem resmungado por aí e torcido o nariz por dizer que o filme se trata de um plágio de Evangellion. Eu nunca assisti este anime, portanto não posso dizer nada, mas acho que as pessoas resmungam demais e andam muito mal-humoradas em relação a cinema. – talvez eu ainda faça um post sobre isso aqui –, mas se você gosta de Evangellion, e alguém faz um filme com referências ao mangá (sendo que esse alguém, o diretor, admite isso com um sorriso apaixonado no rosto), fique feliz, pois se este filme não abrir caminho para uma adaptação do mangá, talvez seja o mais próximo que você chegue de ver algo assim na telona. Talvez seja a mesma coisa que comparar Battle Royale a Jogos Vorazes ou Avatar a Pocahontas, mas, como eu sempre digo, O Rei Leão nada mais é do que Hamlet com animais, e ninguém reclama disso! O que importa não é a história que você conta, pois com certeza alguém já fez algo parecido, mas sim como você conta. Criar algo puramente do nada hoje em dia é praticamente impossível, e Joseph Campbell está aí pra provar isso! 


Circulo de Fogo é uma ótima pedida para um cinema pipoca de fim-de-semana, sendo, de longe, o maior blockbuster de Guillermo del Toro até o momento. Como comentário pessoal gostaria de acrescentar que desde O Hobbit – Uma jornada inesperada não saio tão empolgado de um filme; fazia tempo que eu não me divertia tanto. Já fui assistir duas vezes, a trilha sonora virou toque do meu celular e estou atualmente vasculhando o E-bay atrás de action-figures do filme, e que a cena do primeiro ataque de kaiju e toda a sequência de introdução são sensacionais!
        

        Guarde os eventuais preconceitos na gaveta e vá assistir.
        Afinal, quando foi que você viu algo assim no cinema antes?

terça-feira, 9 de julho de 2013

No fundo da gaveta - "Um trem para o Oeste"

       A locomotiva segue sacolejando suavemente pelos trilhos. É noite, a maioria das luzes nos corredores e nas cabines está apagada, à exceção de uma ou outra lâmpada à gás que balança suavemente, feito um pêndulo no meio do longo corredor, alongando as sombras e aprofundando a escuridão. As portas das cabines estão todas fechadas, e não há barulho algum, a não ser o do próprio trem, que segue seu caminho. Não há paradas, não há estações onde pessoas embarcam. Ele não se lembra exatamente como chegou ali. Encolhido em uma larga poltrona de veludo vermelho que poderia abrigar três pessoas, ele busca alguma referência pela janela. Mas isso de nada lhe vale. Está muito escuro lá fora, chove, e o vapor de seu corpo nublou a janela. Constantemente ele passa a manga de seu casaco pelo vidro, sem desistir de buscar algo na imensidão que se move lá fora. Ele sabe que se move, pois o trem sacoleja, e a lâmpada em sua cabine acompanha o movimento. Não há ninguém na poltrona da frente; ele está só. Seus pés estão apoiados em sua poltrona, junto ao peito, e ele segura os joelhos com um abraço apertado, que só desfaz para limpar a janela novamente. 
         Ele se sente estranho. A simples idéia de tocar o chão com os pés o assusta. Ele olha para o chão pelo vidro, depois de tê-lo limpado mais uma vez, vê os pedriscos se movendo próximos à locomotiva. Rápido. Então está mesmo indo para algum lugar, mas para onde? Seria um sonho? Ele não se lembra de como chegou ali, não se lembra de ter comprado nenhuma passagem, nem de ter que viajar... Qual é a última coisa que se lembra? Seria amnésia? Ele não se lembra de seu nome. Se sente perdido. A chuva aperta lá fora. Ele ouve o tamborilar monótono e sonolento das gotas nas janelas. Respira fundo o ar frio e toma uma decisão. Levanta-se. Ao olhar o bagageiro acima de sua poltrona encontra uma pasta. Ele a pega e senta-se. Não há mais ninguém no vagão, então a pasta só pode pertencer a ele, certo? Ele olha ao redor, como que para se certificar de que não há mesmo mais ninguém. Volta-se para a pasta de couro. Está fechada. O fecho está emperrado ou algo assim. Ele não consegue abrir. Frustrado, larga a pasta em cima da poltrona e sai da cabine. A porta de correr volta automaticamente, fechando. O corredor não é muito largo; o suficiente para duas pessoas passarem com um pouco de aperto. Ele bate na cabine em frente à sua. Nada. Sem resposta. Tenta abri-la. Trancada. Ele olha para os dois lados. Ele está no meio de algum vagão. Acima de sua cabine há uma placa oval de cobre. Há um número ali. Ele força a vista. Memoriza o número. 
        Segue em frente pelo corredor, testando todas as cabines, todas vazias e trancadas. Algumas têm suas luzes interiores acesas, mas ninguém responde. Ele continua em frente. As luzes do vagão não parecem estar funcionando muito bem. Algumas estão apagadas, outras piscam esporadicamente. Há como que uma neblina pairando no interior do vagão. Ele não consegue enxergar o fim deste, está escuro e frio. Os únicos sons que chegam aos seus ouvidos são o da chuva tamborilando no trem e o do sacolejar deste sobre os trilhos. Ele segue até chegar ao fim do vagão, sem ter encontrado ninguém no caminho. Há uma porta com um pequeno vidro quadrado. O vidro está embaçado. Como as janelas de sua cabine. Ele segura a manga do casaco e com o punho limpa o vidro, encostando a mão em concha para enxergar melhor através dele. Existe outro vagão atrelado ao seu. Ele testa a porta, esperando estar trancada como as outras, mas está aberta. A porta se abre para dentro, deixando a chuva entrar e fustigando seu rosto. Ele se apóia no portal e abre a porta do vagão adjacente. Esta se abre, igualmente para dentro. Com um salto, ele aterrissa no vagão da frente, que se encontra tão nevoento quanto o que acabou de deixar. Ele caminha com cautela. 
        Isso está muito estranho. Ninguém. Seria ele o único passageiro daquele trem? Para onde estava indo afinal? Se ao menos ele se lembrasse! A lâmpada pisca sobre sua cabeça, gerando um reflexo na placa que indica o número da cabine, chamando sua atenção. Ele olha para a placa. 1408. Impossível! Aquele era o número da sua cabine. Ele olha para trás, confuso. Tinha mudado de vagão, isso era certo. A luz dentro da cabine está acesa. Ele vê o tom sépia através do vidro borrado. Passam-se alguns segundos em que ele simplesmente encara a porta, indeciso. Então escancara-a de uma vez. Ela corre para o lado, bate na extremidade e volta. Ele a segura com a mão. Vazia. A cabine está vazia. Ele contempla seu rosto no reflexo do vidro da janela. Seus cabelos desgrenhados e o rosto barbado. Sabe que aquele é seu rosto, mas não lembrava que ele fosse assim. 
        Adentra a cabine. A pasta continua jogada em cima do assento. Ele a pega novamente. Analisa o fecho. Força-o um pouco e a pasta se abre. Mais hesitação. Finalmente decide por vasculhar o conteúdo. Dentro há algumas folhas de papel velhas e corroídas pelo tempo nas bordas. Há algo escrito nelas. Símbolos organizados em linhas paralelas. Padrões de cinco linhas. Ele reconhece aqueles padrões, mas não sabe dizer o que são. Suspira. O que está havendo com sua mente? Apóia as folhas no colo e fica olhando para a primeira delas. Seus dedos tamborilam sobre a perna impacientes. 
        Não...
        Não é impaciência. 
        É um movimento coordenado... ele reconhece os símbolos. Aquilo é uma partitura! Uma melodia.                 Ele se lembra. 
        Cantarola baixo. Sim. Lembra-se. 
        Alguém cantando aquela música pra ele. 
      A lembrança vem acompanhada de um sentimento bom. Conforto. Ele sorri. Olha para a pasta novamente. Será que há algo mais ali dentro? Ele vasculha. Vira de cabeça para baixo. Algo cai em sua mão. Um colar. Um fino pingente de vidro em uma corrente de prata. Translúcido e brilhante. É como se o pingente tivesse sua própria luz, se é que isso é possível. Talvez ele só esteja refletindo a luz pálida e amarelada... Há algo sobre aquele pingente. Algo que ele não se lembra, mas também lhe trás conforto. Ele abre o fecho e pendura o colar no pescoço. Recosta-se na poltrona e fecha os olhos. 
        Neste momento, o trem pára com um solavanco. 
        Ele se curva na poltrona e olha para fora. Está escuro demais para se enxergar algo. Ele se levanta e sai pela porta, assim que a cruza, se lembra da pasta, volta, fecha-a e sai novamente; seja lá o que fosse que ele achara na pasta, pertencia a ele. 
        Ao desembarcar na plataforma coberta pela fumaça da locomotiva e pela nevoa da noite ele não sabe exatamente o que fazer; não há placas ou sinais de identificação nos pilares. É tudo muito limpo, mas há ali um ar de abandono, como se ninguém passasse por ali há muito, muito tempo. Ele se vira para o outro lado e caminha até a borda. Há outro trilho ali por onde a locomotiva provavelmente faria o caminho inverso àquele por onde ele viera. O trem à suas costas apita e começa a se mover. Ele se vira e observa-o partir. O dia começa a clarear em uma manhã cinza e nevoenta. O céu passa do negro da noite a um cinza-chumbo. Ele percebe que não chove mais, mas vários flocos de neve flutuam calmamente até tocarem o chão e sumirem em um mar branco. Ele caminha ao longo da plataforma e encontra uma escada para descer, entre os dois trilhos. Sem muita certeza, segue caminhando e cruza a linha por onde viera seu trem. Há uma floresta ao longe, ele segue em sua direção. Talvez haja uma vila ou povoado onde ele possa pedir informações. 
        Ele divisa uma figura entre as árvores. Isso o anima. Finalmente uma alma viva naquele lugar, naquele sonho estranho. Ele aperta o passo em direção à figura ao longe. Aos poucos consegue discernir melhor o contorno e logo, as feições. Uma mulher. Vestida de branco, com longos cabelos negros que cacheiam suavemente às suas costas. Seu vestido longo arrasta as pontas no chão, mesclando a mulher ao ambiente gelado enquanto ela se move calmamente pela linha do horizonte. 
        Ele estaca por um momento. 
      Pensou ter visto asas às suas costas, mas eram somente galhos de algumas árvores secas atrás dela que causaram uma estranha ilusão de ótica... 
        Ou talvez não fosse? 
        Mesmo assim ele decide seguir em frente. 
      Conforme se aproxima, percebe que a mulher está descalça sobre a neve. Caminhando calmamente em uma linha reta, seguindo para a esquerda dele, ao visto, sem tê-lo notado. Ele aperta o passo e, quando percebe, está correndo em direção à misteriosa mulher de branco. Quando está quase alcançando, ela finalmente o nota. 
        E olha para ele. 
      Seus olhos são de um azul muito suave, com um olhar ao mesmo tempo tenro e gélido. Seus lábios rosados não lhe traem nenhum sentimento. Sua pele é muito clara, contrastando com o cabelo negro, enfeitado por pequenas flores e flocos de neve, como estrelas na noite escura. 
        Ele estaca, sem saber o que dizer agora que finalmente alcançou-a. 
        Ela olha para ele por mais alguns instantes e estende-lhe a mão. 
       Há longas fitas brancas amarradas em seus pulsos, descendo entrelaçadas até as mãos, as pontas caindo soltas e esvoaçando ao vento. Ele olha para a mão estendida e em seguida para seus olhos. 
        Os longos cabelos dançam ao vento, jogando vários fios para o rosto da garota, velando seus grandes olhos azuis.
        Ela sorri. 
        E ele compreende. Tudo.
        O porquê de estarem ali. 
        O caminho a seguir.
        Não há mais incerteza em seu olhar ou em seus movimentos, ele pega a mão que ela lhe oferecera e juntos eles seguem pela floresta coberta de neve em meio ao dia que amanhece, e logo ele ouve, ao longe, o rugido do mar quebrando na costa.




sábado, 25 de maio de 2013

No Projetor - ET - O Extraterrestre


            Um garoto solitário que sente a falta do pai e não encontra muitos laços afetivos entre os irmãos ou mesmo com a mãe, que nunca está em casa ou, quando está, se mostra sem tempo e apressada demais entre emprego, contas e atividades domésticas para prestar atenção ao filho. Um pequeno estrangeiro que se perde da família e se vê sozinho em um mundo totalmente novo e estranho à ele, sem a mínima noção ou esperança de como voltar para casa.
              Estes dois, com sentimentos tão semelhantes de perda e abandono encontrarão uma amizade pura e verdadeira um no outro no clássico imortal de Steven Spielberg, ET - O Extraterrestre.
             Filme de 1982 dirigido por Steven Spielberg, com roteiro de Melissa Mathison e produzido por Kathleen Kennedy e pelo próprio Spielberg - fundadores da Amblin - que conta a história do pequeno alienígena que se perde de sua família em uma visita à terra.
           
Steven Spielberg
            Somos apresentados a Elliot, o filho do meio de uma família comum de algum lugar nos estados unidos. Durante uma sessão de jogo entre os amigos de seu irmão, Elliot sai para ir buscar a pizza do lado de fora e quando está voltando escuta ruídos estranhos vindos de sua garagem. O garoto decide investigar, pensando que fosse o cachorro, e tem um encontro inesperado com uma criatura que nunca viu em sua vida. Elliot volta correndo assustado para casa, convencendo sua família de que há algo lá fora, porém quando voltam, não encontram nada e atribuem o ocorrido à imaginação do garoto.
               Intrigado e certo de que não imaginara nada, Elliot decide procurar aquilo que viu na noite anterior e sai pelos arredores jogando doces e chamando a criatura. Sem encontrar nada, volta pra casa e monta guarda com uma lanterna do lado de fora, certo de que o visitante irá voltar.
               Assombrado, Elliot vê a criatura vir em sua direção no meio da noite e devolver alguns dos doces que ele jogara pelo caminho. Ao mesmo tempo em que está assustado, Elliot está curioso o suficiente para conseguir atrair o estranho pra dentro do seu quarto, talvez por pensar se tratar de algum animal perdido, talvez alguém que possa ser seu amigo.
           Cria-se aí, um laço afetivo e emocional que ligará os dois à partir de então. Elliot, na generosidade que somente as crianças podem demonstrar, abriga um desconhecido em seu quarto, mostrando-lhe suas coisas, seus brinquedos e gostos como qualquer garoto faria. Surgia ali um amor sincero entre os dois, tão semelhantes e tão diferentes entre si.
               Elliot decide mostrar seu novo hóspede ao irmão, Michael, sendo que sua irmã mais nova, Gertie, acaba descobrindo também, e os dois juram não contar nada a ninguém, nem mesmo à sua mãe. O interessante é que a mãe está tão fora do mundo das crianças que nem mesmo nota o ser estranho em sua casa na manhã seguinte, cruzando com ele várias vezes sem nem mesmo notá-lo.
               As crianças descobrem que o visitante vem de muito longe, em algum lugar no espaço, que se perdeu de sua família e precisa voltar para casa. Elliot decide prontamente ajudar o ET a reencontrar os seus. Em paralelo, agentes do governo procuram o alienígena que se perdeu e, tendo consciência disso, os garotos mantém em segredo absoluto a presença de ET.
               O filme conta com algumas sutilezas interessantes; é filmado praticamente somente na altura dos olhos de Elliot, sendo que a única figura adulta que vemos inicialmente é a da mãe. Não vemos o rosto de outros adultos com os quais Elliot não tenha um carinho especial ou não sejam tão próximos a ele, como seu professor de ciências, que nem mostra o rosto no longa, ou os agentes do governo que são somente sombras na noite, quase como monstros noturnos que chegam a ser assustadores. Isso cria um paralelo interessante, pois os adultos alheios à vida de Elliot são mais alienígenas do que o próprio ET; são eles que representam o verdadeiro perigo. A cena em que a casa de Elliot é invadida por estes agentes é muito semelhante com uma cena de abdução por alienígenas em outros filmes.
               Outro ponto interessante é que a atmosfera fora da casa também é assustadora durante a noite, cheia de neblina, com algumas luzes distantes, como se fosse realmente um cenário de filme de terror.

Música por John Williams.

               Além disso, o filme possui cenas imortalizadas no cinema, como o vôo na bicicleta ou Elliot tendo o machucado no dedo sendo curado magicamente pelo ET, além de momentos divertidíssimos entre as crianças e várias referências a Star Wars e à cultura pop, tudo isso coroado pela trilha sonora sublime de John Williams, gênio das composições para Hollywood (que com certeza ganhará um post em breve neste blog!). É praticamente impossível ver uma cena deste filme ou mesmo ouvir a música sem se lembrar na hora dele.
ET ganhou vários Oscar, mas acima de tudo ganhou nossos corações, nos ensinou que devemos “Ser bons” e que as pessoas que moram em nossos corações vão sempre estar ali. A vida de Elliot nunca mais será a mesma depois daquela experiência, ele com certeza encarará a separação do pai de outra maneira, conquistou amigos em sua jornada e cresceu como pessoa, e nesse momento nós somos como Elliot, pois ao fim do filme, sentimos que não somos mais os mesmos.
ET – O Extra-terrestre é um filme mágico e atemporal que passa mensagens muito bonitas de amor e amizade entre seres completamente diferentes. Steven Spielberg é um dos meus diretores favoritos e adora passar boas mensagens para seu público, sendo até criticado às vezes por seus finais felizes. No fim, mais uma vez, nós somos como Elliot, sabemos que ET precisa ir embora, mas não queremos que ele vá, desejamos que ele fique com o garoto.
Esta é a grande mensagem do filme, se você ama alguém, deixe-a ir se ela precisar, pois aqueles que nos amam nunca nos deixam e essa compreensão é a maior demonstração de amor que podemos oferecer, pois eles sempre vão “Estar aqui mesmo”.
              


               Este é aquele tipo de filme que toca você de maneiras diferentes ao longo do tempo, eu o assisti novamente semana passada para escrever este post em sua homenagem neste blog, pois ele fez parte de minha infância e tenho muito carinho por ele, e fiquei muito feliz dele permanecer maravilhoso a ponto de me emocionar profundamente no final e ter novamente aquela sensação gostosa no peito e aquele sorriso no rosto.
               Obrigado ET, onde quer que você esteja!




sábado, 4 de maio de 2013

No Gramofone – Hans Zimmer

Hans Zimmer.

Quem me conhece um pouco sabe que eu sou apaixonado pelas composições para cinema. Grande parte da emoção que o cinema nos proporciona se deve muito às composições realizadas para acompanhar a película. Portanto as músicas geralmente são carregadas de emoção e sentimento, que é, em minha opinião, o que a música deve transmitir. Hoje, analisando meu passado, percebo que esta paixão vem desde muito novo, desde quando eu era uma criança e depois que assistia filmes ficava cantarolando as músicas enquanto brincava de alguma coisa. Temas como os de “Indiana Jones” e “Jurassic Park” sempre eram recorrentes. Lembro-me inclusive de uma vez ter feito uma gambiarra nível épico, junto às minhas primas – com quem eu mais me aproximo em idade na família e eram, conseqüentemente, minhas companheiras em meus desbravamentos por florestas inóspitas ou espionagens em futuros distópicos ou mesmo invasões alienígenas –, para conseguir gravar a música dos créditos de “Jurassic Park” num desses gravadores de criança dos anos 90 que nem existem mais.
Mas uma das músicas que eu sempre gostei, foi a trilha de “O Rei Leão”.  Este filme maravilhoso é o meu favorito da Disney, com toda certeza. E a música de “O Rei Leão” é uma das coisas mais bonitas que eu já ouvi, e que me capturou mesmo antes de eu saber que existiam pessoas por trás das composições.
As principais canções cantadas neste filme foram compostas por Sir Elton John, como “The Circle of Life” e “Can you feel the Love tonight?” – dizem que ele ficou um tanto ofendido quando viu esta última interpretada por um javali e seu amiguinho suricate! – que são muito bonitas de fato, mas não é delas que eu estou falando.
O que me pegou foi aquela música que tocava logo enquanto a chuva cai nas Terras do Reino, no rio perto da árvore de Rafiki após o nascimento de Simba, ou quando Simba está contemplando as estrelas junto a seus amigos, ou quando tem um encontro com o espírito de Mufasa. Foram estas músicas – que mais tarde vim a saber que se chamam temas incidentais – que ficaram na minha mente.
          Estas músicas permaneceram em uma gavetinha especial da minha mente por muitos anos, até que mais tarde, já mais velho e com um gosto musical mais definido, assisti a um filme, também da Disney, chamado “Piratas do Caribe – A maldição do Pérola Negra”.
A trilha sonora deste filme fez um sucesso gigantesco comparado com os padrões para este tipo de música. Há de se convir que não é um estilo tão popular assim, mas atraiu a atenção mesmo de quem não ligava muito para este tipo de coisa. Eu sempre gostei de músicas épicas com um quê de aventura e, pesquisando, descobri que a trilha sonora de “Piratas do Caribe” foi composta por Klaus Badelt, em parceria com um certo alemão chamado Hans Zimmer, que manteve o seu nome afastado pois trabalhava em outro projeto ao qual queria se dedicar, somente ajudando o Sr. Badelt com a composição de alguns temas principais, como “He’s a pirate” – que, a meu ver esta vou uma excelente escolha; explicações abaixo.
Ok. A discografia de Klaus Badelt não me chamou tanto a atenção, mas a de Zimmer, por outro lado, me deixou mega curioso, pois foi aí que descobri que ele foi responsável pelos temas de “O Rei Leão”.

"This Land" - Trilha que rendeu o Oscar a Hans Zimmer.

Nascido em Frankfurt, Alemanha, à 12 de Setembro de 1957, Zimmer iniciou sua carreira no mundo da música tocando teclados e sintetizadores, e já declarou em entrevistas que seu sonho era ser guitarrista de uma banda de rock.
Tendo um estilo muito característico que muitos consideram minimalista por valorizar pequenos sons ou conjuntos de notas, este compositor alemão dialoga muito com a fotografia e o sentimento do filme, sendo que suas composições muitas vezes são a alma da historia sendo contada, levando-a a um novo patamar. É possível notar a assinatura de Hans Zimmer em várias composições, principalmente as dos anos 2000, como Piratas do Caribe, O Último Samurai, Rei Artur e Pearl Harbor, existem ali passagens que são muito peculiares ao compositor, mas se analisarmos  sua discografia percebemos que Hans Zimmer é um compositor muito versátil, e que essas passagens que encontramos são semelhantes porque os filmes têm aspectos semelhantes entre si.
"War" tem um fim grandioso que mistura temas já explorados no filme. A trilha sem dúvida supera o filme.

Zimmer muitas vezes se utiliza de instrumentos incomuns aos utilizados para as composições cinematográficas; enquanto a maioria dos compositores se utiliza de instrumentos clássicos de orquestra, este alemão incorpora instrumentos mais populares como guitarras, bateria e sintetizadores em suas músicas, fato que com certeza vem do desejo do jovem Hans de montar uma banda de rock, e que dá ao seu trabalho uma variedade sem igual. A guitarra está presente na trilha de Thelma & Louise e de Dias de Trovão, filmes do início de sua carreira, e também em um de seus trabalhos mais recentes, A Origem, que conta com a participação do gutarrista do The Smiths, Johnny Marr. A guitarra e o rock n’ roll estão tão presentes nas paixões do compositor que é possível vê-lo tocar guitarra em uma premiere de Piratas do Caribe – No fim do Mundo, trocando o instrumento pelo piano no decorrer da apresentação.

Premiere de Piratas do Caribe - No Fim do Mundo

Uma das características mais marcantes de Zimmer é essa capacidade de moldar suas composições aos filmes, e não o contrário, como acontece com alguns compositores; tal característica dá alma e coração ao filme, e te envolvem de maneira que você não controla mais suas emoções. Zimmer é muito bom em criar paisagens sonoras, conceito que na música significa passar imagens ao cérebro através do estímulo pelo som. É impossível não ouvir o tema de Gladiador e não imaginar a glória e esplendor da Roma Antiga ou as composições de O Código DaVinci sem pensar em documentários de história ou grandes obras de arte. A trilha de O Último Samurai é uma das coisas mais lindas que eu já ouvi na vida, e transmite uma paz mesclada em dor e sofrimento, que é exatamente o clima do filme, que trata da busca do homem pela paz, mesmo em tempos conturbados.

"Small measure of peace" - Música final de O Último Samurai. Zimmer aproveita pequenos sons e temas, explorando-os e mesclando-os ao longo do filme para evocar uma mescla de emoções nas cenas.

"Chevaliers de Sangreal" - A música se encaixa perfeitamente para quando paramos para pensar em história.

Outro destaque vai para os temas de aventura como em Piratas do Caribe, Rei Arthur ou Batman, que são sempre épicos e empolgantes, como temas de aventura devem ser.
Musicalmente falando, geralmente Zimmer trabalha suas músicas em uma mesma escala, dando-lhe a liberdade de criar temas isolados e depois mesclá-los ao longo das composições, o que é algo sublime e dá uma grandiosidade e profundidade ímpar à suas obras.

Premiere de A Origem, com Johnny Marr.

Este alemão que começou querendo ser guitarrista e terminou como um dos maiores compositores da atualidade, ganhando um Oscar e um Globo de Ouro por seu trabalho em O Rei Leão, pode ser colocado ao lado de compositores consagrados como John Williams, possui características e identidade própria e uma versatilidade incomum ao meio. Para quem gosta de rock, Zimmer é uma das principais influências de Tuomas Holopainen, tecladista e principal compositor da banda finlandesa Nightwish.

Zimmer trabalhou na trilha do seriado The Pacific, que trata da Segunda Guerra Mundial. A abertura dramática e épica retrata muito bem o sentimento da série.

Hans Zimmer é, sem dúvida, um dos maiores compositores da nossa época, e seu trabalho é genial. Escutem mais o cinema, pois ele tem muito a lhe contar além do que os seus olhos vêem.

O currículo de Zimmer é extenso, este vídeo mostra alguns de seus principais trabalhos.

Saudações!!


      Bom, agora eu tenho um blog! ^^
     Aqui pretendo compartilhar com vocês temas como cinema, música e literatura, ou seja, todas essas coisas que a gente gosta de fazer sentados em uma poltrona confortável perto da lareira junto com uma boa xícara de café. 
    As postagens serão dividias em três tópicos: No Gramofone, onde falarei sobre música; Na Estante, onde farei resenhas e indicações dos livros que eu li; e No Projetor, onde falarei de filmes e cinema. Tentarei manter uma frequência semanal nas postagens. Espero vê-los em breve! Até!